
Receita Federal: Quando a Interpretação se Torna Legislação!
A Interpretação e a Legislação no Direito Tributário: Reflexões sobre a Cosit nº 55/2025
A distinção entre interpretar e legislar é fundamental no direito tributário, mas a Receita Federal, em sua recente Solução de Consulta Cosit nº 55/2025, parece ter cruzado essa linha. Ao afirmar que os bônus eventuais pagos pelas empresas devem ser contabilizados na base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, a Receita não apenas distorce o papel de interpretação, mas assuma um papel normativo que não lhe compete.
Essa posição da Cosit reflete um desvio significativo da função administrativa ao reescrever a legislação previdenciária. O que deveria ser uma interpretação fiel da norma transformou-se em uma tentativa de expandir, sem justificativa legal, a obrigatoriedade de um tributo. A realidade é que os bônus eventuais não se enquadram na definição de salário, como explicitamente previsto na Lei nº 8.212/91, que exclui prêmios e abonos da base de cálculo das contribuições, já que esses pagamentos são esporádicos e não criam uma obrigação contratual regular.
A insistência da Cosit em considerar esses bônus como componentes da contribuição previdenciária não só desrespeita essa norma, mas também infringe o princípio da legalidade. De acordo com o Código Tributário Nacional, somente a lei pode criar ou modificar tributos e definir suas bases de cálculo. Assim, uma solução de consulta, ainda que técnica, não detém a autoridade para instituir novas obrigações tributárias.
Essa situação suscita preocupações adicionais, pois a imposição de tributações sem respaldo legal vai além de uma simples discrepância interpretativa; representa uma agressão ao Estado de direito. Quando a Receita Federal exige tributos sobre valores que a própria legislação exclui, está criando obrigações inventadas, violando direitos fundamentais garantidos pela Constituição, sob o princípio da legalidade, que afirma que ninguém deve ser obrigado a cumprir uma obrigação que não esteja claramente definida em lei.
Além disso, essa prática pode desincentivar ações como a premiação por desempenho nas empresas, transformando o que deveria ser um incentivo à meritocracia em um risco fiscal. Tal cenário gera incertezas e poderia levar a um aumento de disputas judiciais e insegurança jurídica.
A jurisprudência já deixou claro que contribuições previdenciárias devem incidir apenas sobre verbas salariais. Portanto, a inclusão forçada de bônus eventuais nesse cálculo desvirtua a noção de remuneração.
Diante disso, a Cosit nº 55/2025 não apenas revela um erro interpretativo, mas também uma tentativa de legislar por meios administrativos, criando obrigações tributárias sem respaldo legal. Isso demanda uma reflexão cuidadosa sobre a legitimidade e a função da administração tributária.
Quando os fundamentos da justiça fiscal e da legalidade são ignorados, quem mais sofre é tanto o contribuinte quanto a própria integridade do Estado de direito. É essencial que a solução proposta pela Cosit seja revista, não apenas por infringir a lei, mas por contradizer princípios básicos que devem garantir justiça e segurança no sistema tributário.