
Quando a Violação da Boa-Fé Pode Invalidar um Contrato?
Desde o século passado, as técnicas de cláusulas gerais têm sido utilizadas em legislações, mas seu uso requer cuidado, pois pode gerar controvérsias. Uma crítica comum é a indeterminação dessas cláusulas, que pode levar a conflitos e a um Judiciário sobrecarregado, já que precisa arbitrar uma variedade de disputas.
Essas cláusulas desempenham três funções principais: interpretativa, corretiva e supletiva, exigindo dos aplicadores um esforço interpretativo considerável. Assim, elaborar um código que utilize essas premissas exige do legislador habilidade e prudência, pois constitui a base do sistema jurídico e os princípios gerais que devem ser aplicados.
Um exemplo é a boa-fé objetiva, presente em diversos artigos do Código Civil de 2002. Este conceito ficou sem uma definição precisa, o que não deve ser visto como uma falha, mas sim como uma escolha deliberada do legislador, permitindo uma avaliação mais flexível das ações das partes envolvidas em situações específicas.
Essa flexibilidade é essencial para manter as decisões judiciais conectadas às mudanças sociais. Se o Código estivesse repleto de definições rígidas, teria que ser constantemente revisado, resultando em incertezas jurídicas. Portanto, não é adequado que as cláusulas gerais sejam aplicadas em questões excessivamente técnicas que exigem detalhamento rigoroso.
Legisladores devem encontrar um equilíbrio entre generalidade e especificidade. Infelizmente, o projeto do Código Civil nem sempre alcançou essa meta em algumas seções.
A reforma recente do Código Civil incluiu a expressão “fraude à norma de ordem pública” como uma nova hipótese de nulidade para negócios jurídicos. Isso levou à categorização da boa-fé como uma norma de ordem pública, com a violação desse princípio podendo resultar na nulidade de um negócio.
Contudo, a questão não é se o conceito de boa-fé deveria figurar num rol tão técnico, mas sim se a reforma realmente trouxe inovação ao tratar da fraude à boa-fé como hipótese de nulidade. É importante lembrar que a nulidade pode ser reconhecida a qualquer tempo pelo juiz, ao contrário da anulabilidade, que está sujeita a prazos e condições.
Na prática, a violação da boa-fé já se configurava como causa de nulidade no Código Civil anterior, mesmo que não fosse amplamente reconhecida em tribunais. O princípio da boa-fé é complexo, abrangendo diferentes significados e funções dentro do Direito, desde a determinação das obrigações até a delimitação dos direitos das partes numa relação jurídica.
Portanto, as mudanças feitas pela reforma podem ser vistas mais como uma reafirmação de princípios já existentes do que como inovações. A tentativa de trazer a boa-fé para o campo das nulidades não aborda a necessidade de fornecer diretrizes claras para sua aplicação, o que poderia aumentar a confusão na prática judicial.
A inclusão da boa-fé como norma de ordem pública não resolve as dificuldades na interpretação do seu alcance. Na verdade, pode dificultar ainda mais, impondo ao juiz a responsabilidade de definir, em cada caso, o conteúdo da boa-fé.
Assim, a critica não está na consagração da boa-fé, mas na forma superficial com que foi abordada na reforma. Criar um fundamento de nulidade com base nesse princípio requer mais do que uma declaração genérica; é necessário estabelecer limites claros entre comportamentos aceitáveis e abusivos. O desafio que fica é como equilibrar essa compreensão na estrutura do Direito privado e garantir sua aplicação de maneira eficaz e justa.