PEC do Calote: O Que Está em Jogo para a Credibilidade do Nosso Sistema?

Opinião sobre os Precatórios no Brasil

Os precatórios judiciais vão além de uma simples formalidade administrativa; eles são um importante mecanismo dentro da estrutura constitucional brasileira, destinado a equilibrar a força das decisões judiciais com a estabilidade financeira do Estado, sempre respeitando a separação dos Poderes.

Desde a promulgação da Constituição de 1988, o artigo 100 estabeleceu um rito claro para o pagamento das dívidas da Fazenda Pública, garantindo que o poder público respeitasse a autoridade das sentenças judiciais. Assim, a obrigatoriedade de incluir um orçamento para sanar essas dívidas conecta o direito à tutela jurisdicional às decisões do Judiciário, transformando sentenças definitivas em exigências para os gestores públicos.

A previsibilidade sobre valores, prazos e beneficiários dos pagamentos é fundamental para o funcionamento eficaz desse sistema. Interrupções nessa previsibilidade, como moratórias ou parcelamentos, não são apenas falhas de gestão, mas também enfraquecem o direito material que foi reconhecido pela Justiça. A saúde do regime de precatórios reflete como o Estado assume suas obrigações e a força normativa da Constituição.

Da Exceção à Regra

O sistema criado em 1988 começou a sofrer erosões a partir dos anos 2000, com a Emenda Constitucional (EC) nº 30, que introduziu a possibilidade de parcelamento. A EC nº 62/2009, porém, foi um marco significativo, permitindo que os entes federados parcelassem suas dívidas judiciais em até 15 anos. Esta mudança, que pretendia resolver um acúmulo de dívidas, acabou normalizando o descumprimento das ordens judiciais por parte do Estado.

Apesar dos esforços do Supremo Tribunal Federal para barrar essa flexibilização, através da declaração de inconstitucionalidade de alguns aspectos relevantes, o Legislativo encontrou maneiras de manter essa prática. Novas emendas continuaram a criar dispositivos que facilitavam a postergação dos pagamentos, distorcendo as intenções originais da Constituição.

Desafios Recentes e Implicações

Em 2021, a EC nº 109 estendeu ainda mais os prazos de pagamento dos precatórios, enquanto a EC nº 114/2021 estabeleceu um teto para os pagamentos anuais da União e antecipou a data limite para a apresentação de precatórios. Essa mudança, embora justificada como necessária para alinhar ao teto de gastos, trouxe novas incertezas para credores, dada a desarmonia entre os diferentes regimes de pagamento.

Além disso, a Proposta de Emenda Constitucional nº 66/2023 busca institucionalizar a inadimplência para os municípios, limitando os pagamentos a porcentagens da receita corrente líquida. Essa abordagem não apenas prejudica o princípio da responsabilidade fiscal, mas também transforma o precatório de um reconhecimento judicial em um ativo de baixa liquidez, sujeito às flutuações econômicas.

Consequências para a Justiça e a Democracia

A confiança do público na eficácia do Judiciário está diretamente ligada ao cumprimento das decisões judiciais. Alterações que promovem a inadimplência do Estado ameaçam essa confiança, tornando a Justiça uma instância que pode não garantir direitos fundamentais. Isso é ainda mais alarmante no caso de precatórios de natureza alimentar, cujos atrasos impactam diretamente a dignidade humana.

Defender a integridade do regime de precatórios é, portanto, uma questão de preservar os direitos constitucionais e a credibilidade do Estado democrático. O cumprimento das decisões judiciais não deve ser visto como uma opção fiscal, mas como um compromisso inegociável. Para que a democracia se mantenha robusta, é crucial reafirmar que a Justiça deve ser efetiva, garantindo que todos, incluindo o Estado, respeitem suas obrigações.

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