Novas Regras para Tráfico Privilegiado: O que Esperar do STJ?

Opinião

A análise dos Temas Repetitivos 1.154 e 1.241 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) levanta questões importantes sobre a Legalidade Penal e a Teoria Geral da Constituição. O ponto em discussão é se o Judiciário pode ajustar a aplicação da causa de diminuição prevista no §4º do artigo 33 da Lei de Drogas, usando critérios objetivos, como a quantidade ou a variedade da substância apreendida. Essa abordagem pode ultrapassar as possibilidades interpretativas dentro do regime constitucional atual.

A Lei nº 11.343/2006 foi elaborada em um processo legislativo cuidadoso, que começou com o PLS 115/2002, apresentado no Senado. O objetivo era encontrar um equilíbrio entre a repressão ao narcotráfico e um tratamento diferenciado para aqueles que não tinham antecedentes criminais e não estavam ligados a organizações criminosas.

A exposição de motivos da lei enfatizava a importância de distinguir traficantes profissionais de ocasionais, oferecendo a estes últimos a possibilidade de redução de pena. O conteúdo do §4º do artigo 33 reflete essa intenção ao estipular critérios subjetivos, como primariedade e bons antecedentes, para a fruição da causa de diminuição. A tentativa de implementar um “padrão de modulação” por meio de critérios quantitativos ou qualitativos pelo Judiciário fere o papel que a Constituição designa a este Poder.

Conforme delineado na Constituição de 1988, apenas o Congresso Nacional possui a competência para legislar sobre questões penais. O Judiciário deve atuar como guardião da Constituição, não criando normas penais de maneira autônoma, pois isso viola os princípios da legalidade e da reserva legal penal. Criar critérios novos para determinar a concessão do tráfico privilegiado com base apenas na quantidade de drogas equivaleria à criação de uma nova norma penal sem respaldo legal.

Além disso, vincular a concessão do tráfico privilegiado a critérios objetivos pode prejudicar a individualização da pena e a isonomia penal. Isso resultaria em uma abordagem punitiva que não leva em conta as especificidades de cada caso, tratando desiguais de maneira igual, e promovendo um simbolismo penal desprovido de eficácia e respaldo constitucional.

A proposta em tramitação no Senado, que visa estabelecer diretamente a quantidade como critério para a causa de diminuição, deve ser vista como uma reafirmação de que esta é uma questão legislativa, não judicial. A falta de evidências científicas que relacionem a gravidade da pena ao controle da criminalidade reforça a necessidade de políticas públicas mais integradas e eficazes, em vez de uma abordagem punitiva simples.

É crucial reconhecer a gravidade do tráfico de drogas, mas a resposta deve estar alinhada aos princípios do Estado Democrático de Direito. O Judiciário não pode, sob o pretexto de eficiência, ultrapassar suas competências legislativas e comprometer os fundamentos da nossa Constituição.

A decisão que o STJ tomará sobre os Temas Repetitivos 1.154 e 1.241 terá um impacto significativo na aplicação do tráfico privilegiado. Se o Judiciário se afastar do texto legal, poderá acabar atuando como um legislador, o que contraria os princípios fundamentais da Constituição de 1988. O respeito pela norma constitucional é essencial para assegurar que a Justiça seja verdadeiramente justa e equitativa, não se tornando um instrumento de criação de novas normas em detrimento da legislação vigente.

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