Desvendando o Cavalo de Troia Neoliberal: O Impacto das Mudanças no Brasil

Diário de Classe

“A cidade não pára, a cidade só cresce/ O de cima sobe e o de baixo desce.” — Uma provocação que ressoa através da canção de Chico Science e Nação Zumbi.

A reflexão deste texto é inspirada pela palestra do professor André Coelho, apresentada no VII Colóquio de Crítica Hermenêutica do Direito em 2024. O professor destacou como a "cultura processualista brasileira," refletida em reformas recentes, revela um neoliberalismo encoberto que transforma precedentes judiciais em normas rígidas e o acesso à Justiça em uma ilusão.

Esse debate se aprofunda na crítica à jurisprudência, que, ao invés de promover igualdade, produz uma elite interpretativa e uma massa de excluídos. No Brasil, o Direito parece saber exatamente quem deve ascender e quem deve permanecer à margem.

1) Jurisprudencialização do Direito e Neoliberalismo

O sistema de precedentes no Brasil, mais do que um simples avanço técnico, sela um fechamento hermenêutico que afeta especialmente as instâncias inferiores da Justiça e os grupos vulneráveis. Por outro lado, as cortes superiores têm flexibilidade para reinterpretar decisões.

O professor Coelho argumenta que essa estrutura não é acidental, mas sim resultado de um projeto político de reforma judicial, nas últimas três décadas, com fortes influências neoliberais. Esse projeto se traduz em três vetores principais:

  1. Controle vertical, concentrando decisões nas cortes superiores.
  2. Controle horizontal, padronizando interpretações em instâncias inferiores.
  3. Desoneração do Judiciário em relação aos menos favorecidos, delegando demandas a métodos alternativos, que frequentemente carecem de garantias institucionais.

A consequência é preocupante: os mais necessitados recebem menos Justiça, enquanto casos que envolvem grandes interesses econômicos e políticos são priorizados.

2) A Ética dos Precedentes

Luiz Guilherme Marinoni, um proeminente defensor da doutrina de precedentes, argumenta que o sistema busca promover igualdade e previsibilidade. Contudo, na prática, a promessa de igualdade se revela ilusória. A isonomia formal muitas vezes ignora realidades sociais, e a jurisprudência defensiva dificulta o acesso às instâncias superiores, gerando um ciclo de exclusão.

A dinâmica atual apresenta um Judiciário que favorece casos de interesse das elites, enquanto os verdadeiramente necessitados têm seus direitos à Justiça invisibilizados. Assim, a igualdade proposta se torna apenas uma justificativa retórica para uma estrutura que perpetua desigualdades históricas.

3) Senso Comum Teórico e o Precedentalismo

Luis Alberto Warat critica como a dogmática do Direito é usada para sustentar estruturas de poder. Ele estabelece que o “senso comum teórico” serve para preservar relações de dominação, apresentando os mecanismos de controle como legítimos.

Nesse sentido, o sistema de precedentes pode ser visto como um novo disfarce para velhas práticas de exclusão. Ao enfatizar eficiência e previsibilidade, este sistema pode estar apagando a verdadeira essência do Direito: a proteção dos cidadãos.

Reflexão Final

Em tempos de grandes injustiças, é essencial deslocar o foco do individualismo para a inclusão real de todos os cidadãos. A construção de um sistema mais equitativo requer um esforço coletivo que busque respeitar as singularidades de cada indivíduo, garantindo que o Direito seja um instrumento de libertação, e não um mecanismo de dominação.

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