
Fim da Validade: O Impacto da Nova Norma no Dirbi
Hans Kelsen, um renomado jusfilósofo austríaco, é amplamente reconhecido na área do direito pela sua contribuição teórica conhecida como a “Pirâmide de Kelsen”. Essa estrutura hierárquica é fundamental para entender os conceitos de controle de constitucionalidade, convencionalidade e legalidade das normas jurídicas.
A “Pirâmide de Kelsen” ilustra como normas de menor hierarquia dependem da validade das normas superiores. No contexto do Brasil, no topo da pirâmide estão a Constituição Federal, suas emendas e tratados internacionais que tratam de direitos humanos e foram incorporados com o rito das emendas constitucionais. Abaixo, localizam-se os atos normativos supralegais (como tratados que não foram integralmente incorporados). Já as leis ordinárias, complementares e medidas provisórias ocupam o nível seguinte, seguidos por atos normativos secundários, como instruções normativas e decretos regulamentares na base da pirâmide.
Essas normas se validam por meio de relações de hierarquia: atos secundários são fundamentados em atos primários, que, por sua vez, se validam na Constituição e em normas supralegais. A Constituição é considerada a norma hipotética fundamental, extraindo sua validade de si mesma.
Recentemente, a Medida Provisória nº 1.227, de 4 de junho de 2024, instituiu a Dirbi (Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária). Para regulamentar essa MP, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa nº 2.198 em 18 de junho de 2024. Segundo o artigo 62 da Constituição, essa medida provisória tinha um prazo de 60 dias para ser aprovada pelo Congresso, podendo ser prorrogada por mais 60 dias. Se não fosse aprovada em prazo hábil, ela perderia sua eficácia.
A Medida Provisória nº 1.227/24 não foi convertida em lei e perdeu sua eficácia em 1º de outubro de 2024. O Congresso não promulgou um decreto legislativo para regular as relações jurídicas resultantes dessa medida, fato que foi formalmente registrado. Em contrapartida, a Lei nº 14.973, de 16 de setembro de 2024, trouxe dispositivos semelhantes aos da Medida Provisória em relação à Dirbi.
Isso levanta uma questão importante: qual a relação disso tudo com Kelsen? A Instrução Normativa que criou a Dirbi não tem mais fundamento de validade após a perda de eficácia da Medida Provisória. Uma instrução normativa não consegue se sustentar sem um ato normativo primário que a valide. Portanto, seria necessário criar uma nova instrução normativa, baseando-se na Lei nº 14.973/24.
O ordenamento jurídico brasileiro não admite a legalidade superveniente, ou seja, não é possível reconhecer validade para um ato normativo secundário que foi criado antes de sua base primária legal ser estabelecida. Assim, a Instrução Normativa nº 2.198/24, que regulava a Dirbi, não possui mais validade.
Por fim, esta ausência de fundamento faz com que a exigência de entrega da Dirbi seja considerada ilegal. Contribuintes que se sentirem prejudicados devem buscar amparo judicial para que suas obrigações relativas à Dirbi sejam revisadas.