
Como o Identitarismo Está Transformando a Luta pelo Poder nas Mãos da Extrema-Direita
A construção de narrativas em torno de inimigos públicos tem se tornado uma estratégia recorrente na atuação da extrema-direita global nos últimos anos. Nesse contexto, a questão de gênero é um dos principais alvos, frequentemente abordada sob a etiqueta de “ideologia de gênero”, em uma tentativa de defender valores familiares tradicionais.
Recentemente, essa estratégia tornou-se evidente nas políticas adotadas nos Estados Unidos, onde ações executivas visaram desmantelar direitos conquistados pela população trans. Essa abordagem exemplifica o uso de normas infralegais que podem corroer instituições democráticas, ao mesmo tempo que busca desfazer conquistas sociais.
No Brasil, figuras políticas, como o ex-presidente Jair Bolsonaro, aplicaram táticas semelhantes, atacando diversas políticas públicas. Um exemplo claro é a questão ambiental, onde um ex-ministro sugeriu a flexibilização de regras durante a pandemia para “passar a boiada”, uma metáfora que implica em avançar com mudanças legislativas sem a devida análise crítica. Na esfera dos direitos LGBTQIAPN+, também houve esforços para desmantelar proteções existentes para a população trans, afetando políticas públicas crucialmente necessárias.
A inserção da narrativa de gênero no campo jurídico muitas vezes serve para perpetuar desigualdades. Em particular, a situação da população trans evidencia que, apesar de algumas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que buscam proteger os direitos desse grupo, a vulnerabilidade persistente revela uma fragilidade na proteção jurídica. A ideação de que existem direitos equivalentes para todos ignora que, na prática, a população trans frequentemente carece de direitos básicos, como o reconhecimento do nome social e acesso a cuidados de saúde adequados.
Estatísticas demonstram que o Brasil é um dos países com as maiores taxas de homicídio de pessoas trans, indicando uma sociedade que não apenas marginaliza, mas também invisibiliza essa população em contextos políticos e sociais. A falta de dados governamentais sobre a população trans agrava a dificuldade em implementar políticas públicas efetivas, perpetuando um ciclo de exclusão e discriminação.
A análise dos ataques ideológicos ao STF revela uma preocupação com essa instância, que, embora a única garantindo alguma proteção, poderia ser revertida diante de uma maioria conservadora. A narrativa em torno dos direitos trans deve ser entendida como um bloqueio ao avanço de políticas que busquem garantir direitos básicos e igualdade, em consonância com as diretrizes constitucionais estabelecidas desde 1988.
No final, a discussão sobre privilégios não deve se concentrar na percepção de “privilégios distorcidos” relacionados ao avanço dos direitos de gênero, mas sim no reconhecimento do privilégio que é viver sem medo de perseguições, tendo acesso a educação e emprego de forma segura. Essa reflexão é fundamental para entender como as identidades de gênero são, em grande parte, construções sociais que moldam a nossa realidade.